segunda-feira, setembro 25, 2006

Jantar a três

Por mais que a gente quisesse esquecer o que havia passado, eram inúteis as tentativas de fuga, estávamos atados uns aos outros, de forma doentia e cruel. Éramos carne um para o outro, apoio e dependêcia. Já não se faziam drogas como antigamente, e ali sentado no chão, observava calma e atentamente aqueles braços branco-avermelhados, esticados, os elásticos. Sentia falta do calor, ao mesmo tempo desejando o frio intenso que toda aquela situação me trazia.

A mesa de vidro posta, era hora de refeição, ao lado uma caixa de empadas frias, uma garrafa de vodcka um suco ruim e uma coca-cola se faziam esquecer num canto da mesa, mas sim mesa estava posta. O vidro transparecia, via-se os pés através dele, e nele, todo aquele pó branco incandecente, indecentemente atraente, nos convidava para o jantar. Obviamente o prato principal éramos nós, pouco a pouco consumidos, sumindo em nós mesmos e nos nossos próprios desesperos, nos gritos sussurrados aos ouvidos mudos, esperando do mundo algo que nos arrancasse daquela fossa, e enquanto esperávamos, ardiamo-nos e espetavamo-nos.

- Onde está o rivotril?
- Não sei, você pode me dar o sinto e o isqueiro?
- Tá aí do seu lado, pega você.

E passos e portas se ouviam, mas não era ninguém, apenas nós mesmos, ou talvez sequer o barulho existisse, quem saberia? Estavamos muito além de qualquer vida, ou sentido de viver existente, o sexo ainda era bom, e nossa relação parasitária mútua era definitivamente suficiente para ambos e acomodamo-nos assim mesmo. Ao fim da noite, os tres deitavam na cama fritando, odiando tudo e todos inclusive nós mesmos, a depressão batia, a noite chegava ao fim às 11h da manhã, os choros silenciosos ao meu lado rasgavam-me em dois, e não sobrava espaço para o meu próprio sofrimento.

Mas uma coisa era nítida, estavamos em uma canoa furada, e a água batia no peito, era hora de alguma consequência, cedo ou tarde.

( Kléderson Bueno - e algumas lembranças encaixotadas )

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